quarta-feira, 20 de junho de 2012

43) O dinheiro dos nordestinos


Houve época em que nordestinos (principalmente homens) emigravam de suas cidades no nordeste brasileiro, onde havia desemprego, em busca de trabalho e remuneração, para centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Essas pessoas costumavam com certa regularidade enviar algum dinheiro para seus familiares dentro de envelopes nos quais colocavam suas cartas, despachando-os pelo Correio Nacional. A VARIG, como outras empresas, transportava sacos do Correio que continham essas missivas.

A partir de uma certa data, esses sacos começaram a chegar a seu destino violados, nos compartimentos dos aviões, junto com envelopes rasgados, dos quais o dinheiro havia sido furtado. Verificou-se que isso acontecia somente nos aviões CV-240 que faziam a linha SAO-RIO-Capitais do nordeste. Os Convair tinham um pequeno compartimento de cargas na cauda do avião, separado da toalete por uma parede onde havia um painel removível com alguns parafusos, pelo qual poderia passar uma pessoa de certa agilidade. Como esse compartimento só tinha uma porta de acesso pelo exterior do avião, e como os sacos de correio eram embarcados intactos e chegavam violados, era evidente que a violação tinha ocorrido durante o vôo, e pelo tal painel da toalete. O culpado, portanto, tinha que ser um tripulante. O caso preocupou muito o Correio e a direção da VARIG; era necessário fazer uma investigação que apurasse o culpado e acabasse com o furto.

Na época eu era Diretor do Ensino, e a despeito de meus deveres estarem relacionados somente com o treinamento, em geral sempre que aparecia um problema um pouco fora da rotina aeronáutica, o assunto era encaminhado a mim (em POA), sem que eu saiba bem, até hoje, qual a razão disso. Assim sendo, o problema da violação dos sacos caiu em minhas mãos, e eu parti para uma investigação.

Descobri logo que a coisa só ocorria quando fazia parte da tripulação um determinado indivíduo. Só podia ser essa a pessoa, que, durante o vôo, removia o tal painel da parede da toalete e passava para dentro do compartimento de carga, cortava os sacos, rasgava os envelopes, sacava o dinheiro que houvesse, voltava ao toalete e colocava o tal painel no respectivo lugar. Isso tudo teria que feito rápida e eficientemente, para que parecesse que ele apenas tivesse estado na toalete. Tratava-se agora de lavrar um flagrante para “pegar” o malandro.

Procurei a Chefia da Polícia em POA para aconselhar-me com eles. Disseram-me que havia uma tinta especial, que demorava a secar, era praticamente invisível à luz normal, manchava as mãos de quem a tocasse, custando a sair com uma simples lavagem, mas tornando-se visível (manchas) quando as mãos em questão eram expostas à luz ultra-violeta. Era o que nós precisávamos, porem a Polícia não tinha a tal tinta que só se poderia obter através de algum órgão policial nos USA. Fiz contato com nossa gente em NYC, e a tal tinta foi obtida pela gentileza da Polícia de NYC, e remetida para mim em POA.

Feito isso, seguimos para o RIO, eu e alguns policiais de POA. Nos dividimos entre RIO e Salvador, e então, num dia em que fazia parte da tripulação o suspeito, pintamos os sacos e os colocamos a bordo do Convair que saia para Salvador. Na Capital baiana, a Polícia deteve os tripulantes, verificou que os sacos haviam sido violados, e submeteu a tripulação ao teste da luz ultra-violeta. Pois pasmem! O ladrão era o próprio Comandante do avião, que procedia como havíamos imaginado, numa ação tresloucada e irresponsável, numa irresistível compulsão clepto-maníaca, arriscando sua reputação e carreira profissional (ele era um bom piloto, bem conceituado!), em troca de uns míseros dinheirinhos dos pobres trabalhadores nordestinos. A coisa acabou aí, e nunca mais houve esse tipo de furto, que eu saiba. A VARIG não prestou queixa, e ele não foi preso. Simplesmente demitido, o que todos lamentamos. Triste, não?

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